28.11.06

Falando de feijão com arroz.

Feijões doidões que expulsam demônios e o “Deus Arroz”. Parceria de longa data no mundo oriental.

Em uma noite, no começo da primavera, uma senhora japonesa caminha por sua casa, com punhados de feijões tostados em grelha nas mãos. Ela espalha os feijões por todos os aposentos, gritando para as forças do mal:

“Demônios, fora! Felicidade dentro!”

É um ritual de expulsão de maus espíritos do lar. Esta cerimônia também é destinada à prosperidade, fortalece magicamente o plantio do arroz, outro alimento sagrado japonês. Tão sagrado no oriente que existe até uma deidade só para ele: o Deus Arroz.

O feijão e o arroz também são sagrados no Brasil, mas de outra forma. É a nossa identidade gastronômica, o que o povo daqui mais come. Uma das piores coisas de se viver no exterior, para muitos brasileiros, é a dificuldade de se achar um bom feijão com arroz.

Tradições orientais ligam o feijão à fertilidade e o arroz à fartura. Mas aqui no Brasil, nos tempos de colônia, era comida de escravos e gente pobre. Pero Vaz de Caminha relatou que o arroz fora trazido para cá pelos portugueses, e logo se juntou ao “cumandá”, o feijão dos tupinambás. Os negros misturaram tudo, dando origem à feijoada. As partes de porcos não aproveitadas nas mesas nobres iam para os escravos. Carne-seca, costelinha e lingüiça só fazem parte da feijoada atualmente. Nesta época comer a carne de porco não era recomendável por conceitos europeus medievais, que viam com desconfiança o fato dos suínos serem onívoros. Sendo que Deus, de acordo com a Bíblia, havia destinado apenas a relva para a alimentação dos animais, o porco era tido como animal impuro.

Milho, batata, trigo, tomate, amendoim, pimentão, mandioca e feijão foram as principais novidades alimentícias no descobrimento das Américas. Pelo livro “A História da Alimentação”, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, o feijão substituiu na Europa o fasóleo, um “feijão antigo, espécie da qual resta hoje uma variedade africana, o dólico”. Pela aceitação do feijão na Europa, com preço baixo, o fasóleo teve de assumir o nome “dolichos”, para que não houvesse confusão.
O trigo, a aveia, o centeio e a cevada eram os cereais da Europa medieval. O arroz, trazido do oriente pelos árabes com a invasão dos sarracenos na Península Ibérica, nunca os superou. Do Oriente Médio ao Japão o arroz mostrou-se ingrediente para a alimentação de pobres e de ricos. Livros chineses de cerca de 5.000 anos e textos hindus falam sobre o cereal.

Mal sabiam os primeiros negros brasileiros, primeiros consumidores do feijão com arroz, que o combinado viria a ser sinônimo de identidade nacional nos dias de hoje. E pode ser encontrado até em versões requintadas, como nos cardápios do chef Alex Atala, famoso pela criação de pratos chiques a partir de ingredientes triviais da gastronomia brasileira.

Pelo lado nutricional

O arroz desintoxica o organismo. O feijão previne doenças do coração e até alguns tipos de câncer. O feijão com arroz engorda, ao contrário do que muitos pensam. Em todos os casos, existe uma versão “light” do prato, com feijão azuki e arroz integral.

Perguntada a respeito do prato, a nutricionista Silvia Cozzolino, presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição disse: “recomendo a ingestão porque os dois se complementam. Existem estudos para tornar o feijão mais rico em minerais e o arroz em vitaminas”. Bem melhor do que comer lasanha congelada. Continua Silvia: “mas como sabemos que a carne é o item mais caro do buffet, preferimos pelo peso pegar mais carne e consumir menos feijão com arroz”.